A urgência de diferenciar educação financeira de matemática financeira

Autor: *Guilherme Augusto Pianezzer

Nas últimas décadas, a pauta da educação financeira ganhou força em documentos oficiais, salas de aula e campanhas públicas. A Base Nacional Curricular Comum (BNCC) reconheceu o tema como transversal e o incluiu formalmente nos currículos escolares. No entanto, a forma como essa inserção tem ocorrido revela um equívoco que precisa ser discutido: confundir educação financeira com matemática financeira. 

A matemática financeira é, sem dúvida, uma ferramenta essencial. Ensina a calcular juros, avaliar investimentos, entender financiamentos. Mas ela é apenas isso: um instrumento técnico. Educação financeira, por sua vez, é mais ampla. Trata-se de formar cidadãos capazes de tomar decisões conscientes e responsáveis sobre o uso do dinheiro — o que inclui aspectos emocionais, sociais e até éticos. 

Os dados mais recentes tornam essa distinção ainda mais urgente. Segundo levantamento da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do SPC Brasil, o Brasil atingiu, em 2025, a marca recorde de 70,2 milhões de inadimplentes — o equivalente a 42% da população adulta. O valor médio da dívida é de R$ 4.690, e 67% das dívidas vêm do setor bancário, revelando o uso recorrente e muitas vezes descontrolado de crédito pessoal. 

O mais alarmante é que esse endividamento ocorre mesmo com o mercado de trabalho aquecido e com o aumento da renda média, que chegou a R$ 3.410 no primeiro trimestre. Isso mostra que não se trata apenas de falta de dinheiro, mas de falta de preparo para lidar com ele. O fenômeno se explica, em parte, por um modelo educacional que ensina a calcular juros compostos, mas não ensina a evitar dívidas. 

Como professor universitário, observo diariamente alunos que dominam fórmulas complexas, mas não sabem controlar o uso do cartão de crédito. Isso não é ignorância matemática; é falta de formação para lidar com o dinheiro de forma crítica e autônoma. 

Quando reduzimos a educação financeira a porcentagens e fórmulas, deixamos de abordar aspectos centrais da vida real: consumo consciente, planejamento de vida, influência da publicidade, desigualdade social, e as armadilhas do crédito fácil. A consequência é clara: pessoas bem-intencionadas, com renda, mas vulneráveis às dinâmicas do endividamento, inclusive por fatores como inflação — que, no último ano, chegou a 5,53%, mais alta principalmente por causa dos alimentos. 

A implementação da educação financeira nas escolas deve ar por uma revisão profunda. Não se trata apenas de ensinar a calcular juros compostos, mas de discutir escolhas, valores e consequências. Isso exige investimento na formação dos professores, na produção de materiais interdisciplinares e na valorização do tema como parte do projeto de formação cidadã. 

Num país onde o total de dívidas das famílias já alcança R$ 4 trilhões — o equivalente a 33% do PIB —, ensinar educação financeira é uma urgência social, não um diferencial pedagógico. Trata-se de preparar pessoas para a vida, não apenas para o mercado. 

*Guilherme Augusto Pianezzer é professor de Matemática Financeira, mestre e doutor em Métodos Numéricos pela UFPR e professor-tutor dos cursos de Exatas da Uninter 

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Autor: *Guilherme Augusto Pianezzer
Créditos do Fotógrafo: Pixabay


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