Imposto de renda e justiça fiscal: um pequeno alívio em meio a grandes desafios
Autor: *Marcos José Valle
A recente correção nas alíquotas do Imposto de Renda para os mais pobres representa uma iniciativa relevante no sentido de aliviar a carga tributária da população de baixa renda e sinalizar um compromisso mínimo com a justiça fiscal no Brasil. A Medida Provisória nº 1.294, que eleva a faixa de isenção para rendimentos de até R$ 3.036 mensais, rompe parcialmente com o histórico de inércia na atualização da tabela, que há anos penaliza justamente quem menos pode contribuir. Ainda que modesta, a medida evidencia o quanto o sistema tributário brasileiro é estruturalmente moldado para proteger os mais ricos, que seguem subtributados e blindados por uma lógica regressiva e concentradora.
Essa assimetria se escancara na resistência do Congresso Nacional em aprovar propostas como o Projeto de Lei nº 1087/25, que ampliaria a isenção para até R$ 5 mil mensais. A morosidade não é técnica, é ideológica: manter o privilégio fiscal dos mais abastados é uma escolha política, sustentada por um pacto implícito entre representantes do capital financeiro e setores conservadores do Legislativo. Como bem aponta a economista Norma Casseb, trata-se de uma guerra distributiva permanente, em que os trabalhadores, especialmente os de baixa renda, são o elo mais frágil — e mais frequentemente sacrificados.
Neste cenário, a proposta de Armínio Fraga de congelar o salário-mínimo por seis anos em termos reais, apresentada como alternativa para conter a inflação e aliviar as contas públicas, revela o abismo entre a racionalidade do mercado e a realidade concreta da vida da maioria da população brasileira. Fraga parece esquecer — ou ignorar deliberadamente — que o salário-mínimo não é apenas um índice, mas o eixo em torno do qual gira boa parte da renda das famílias mais vulneráveis. Conter seu crescimento significa reduzir o consumo, enfraquecer a atividade econômica e, paradoxalmente, comprometer a arrecadação futura, num ciclo vicioso que condena o país à estagnação.
Mais do que uma proposta econômica, o que Fraga oferece é um projeto político: o de um Estado mínimo para os pobres e funcional para o capital. Sua ideia de ajuste fiscal ignora variáveis centrais como desigualdade, pobreza, informalidade e subemprego, tratando o país como se fosse uma planilha de Excel gerida por fundos de investimento. Essa visão desumanizada da política econômica alimenta o entusiasmo rentista dos que lucram com a especulação, ao mesmo tempo que descarta qualquer alternativa baseada na redistribuição de renda e na valorização do trabalho como motor do desenvolvimento.
A crítica à austeridade, como a defendida por Fraga, precisa ir além dos seus efeitos imediatos. Como argumenta a economista Clara Mattei, esse tipo de política requer a centralização do poder, a despolitização dos processos decisórios e o esvaziamento da democracia. Não por acaso, medidas como o congelamento do salário-mínimo são sempre defendidas por tecnocratas, banqueiros e gestores que não são afetados por elas. A austeridade, nesse contexto, funciona como um escudo ideológico que protege privilégios, paralisa o debate público e naturaliza o sofrimento de milhões.
Discutir a correção da tabela do Imposto de Renda e rebater propostas como a de Fraga não é apenas uma questão de escolha entre modelos econômicos, é um debate sobre o tipo de país que queremos construir. Temos duas opções: ou seguimos alimentando um sistema que concentra renda, submete a política à lógica do rentismo e impõe sacrifícios à maioria em nome de um equilíbrio fiscal que só beneficia uma minoria, ou enfrentamos de frente a necessidade de uma reforma tributária progressiva, de políticas públicas voltadas para o bem-estar coletivo e de uma macroeconomia que coloque o trabalho, e não o capital especulativo, no centro das decisões.
*Marcos José Valle e doutor em sociologia e professor de Gestão, Comunicação e Negócios da Uninter.
Autor: *Marcos José Valle