Parcerias Público-Privadas no SUS: solução ou ameaça?

Autor: *Ivana Maria Saes Busato

O Sistema único de Saúde foi implantado com a promulgação da Constituição de 1988, com principal conquista o direito à saúde no Brasil. Gratuito, universal e de o integral, o sistema atende milhões de brasileiros diariamente, sendo uma das maiores redes públicas de saúde do mundo.  

No entanto, frente a desafios como subfinanciamento, filas de espera e infraestrutura, ganha força o debate sobre a entrada do setor privado como parceiro do Estado. Destaca-se que o artigo 199 da Constituição já aponta para participação de instituições privadas de forma complementar. Neste contexto, deve-se questionar: fortalecer as parcerias público-privadas fortalece ou enfraquece os pilares do SUS? 

De fato, o SUS enfrenta desafios importantes, que estimulam as iniciativas de parcerias público-privadas (PPPs), com promessas de maior eficiência, rapidez e investimento.  

Desde 1998, existem relações contratuais público-privadas no Brasil. As primeiras são denominadas Contratos de Gestão: uma relação entre o Estado e organizações sem fins lucrativos, denominadas Organizações Sociais – OS (1998) ou Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP (1999), com requisitos de qualificação, pactuação de metas e controle da sociedade civil.  

Desde então, as Organizações Sociais (OS) foram amplamente utilizadas, são entidades privadas sem fins lucrativos contratadas para istrar unidades públicas de saúde. Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia adotaram esse modelo em larga escala. Apesar de alguns avanços, o sistema gerou polêmicas, como no caso do Rio de Janeiro, onde investigações revelaram desvio de verbas e corrupção por parte de OS durante a pandemia. 

Por outro lado, há casos que indicam bons resultados. O Hospital do Subúrbio, em Salvador (BA), foi o primeiro hospital brasileiro gerido por uma PPP formal, com 313 leitos, sendo 243 leitos de internação hospitalar em enfermaria e 70 em terapia intensiva, distribuídos em dez leitos de UTI pediátrica e 60 leitos para pacientes adultos.  

Nesse modelo, a unidade é pública, mas sua gestão é feita por um consórcio privado sob contrato e fiscalização do Estado. Avaliações independentes apontaram melhorias na eficiência do atendimento, redução de filas e altos índices de satisfação dos usuários. No entanto, especialistas alertam que esse sucesso depende de contratos bem elaborados, metas claras e fiscalização rigorosa. 

Além disso, em muitas cidades, serviços como exames laboratoriais, consultas especializadas e até a telemedicina são terceirizados. Cidades contratam clínicas privadas para agilizar o atendimento e reduzir filas. Embora isso traga alívio imediato, há o risco de criar dependência do setor privado e desigualdade no o, caso não haja critérios claros e isonômicos. 

Diante disso, é essencial que essas parcerias sejam regulamentadas com rigor, visto que são realizadas com dinheiro público da política de saúde. A legislação deve garantir que a atuação do setor privado seja sempre complementar e nunca substitutiva ao serviço público. Além disso, a fiscalização deve ser permanente, envolvendo órgãos como o Ministério Público, Tribunais de Contas e os Conselhos de Saúde, que precisam ser fortalecidos como canais de controle social. 

Parcerias público-privadas no SUS não são, por si só, negativas. Elas podem, sim, representar uma alternativa para suprir deficiências e ampliar a cobertura em regiões carentes, na busca de integralidade da assistência, um dos princípios do SUS. No entanto, devem ser firmadas com responsabilidade, transparência e compromisso com o interesse coletivo. O risco é que, sem controle, o lucro se sobreponha ao direito, transformando a saúde, que deve ser pública e universal, em mais um serviço seletivo. 

Fortalecer o SUS exige ir além das soluções emergenciais. É necessário investir de forma estruturada, valorizando os profissionais, modernizando unidades, ampliando o financiamento público e garantindo uma gestão ética e participativa. Afinal, a saúde não é mercadoria — é um direito que precisa ser protegido com prioridade e seriedade. 

*Ivana Maria Saes Busato é coordenadora do curso de Gestão Hospitalar e Gestão de Saúde Pública da Uninter. 

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